25 “Porque a loucura de Deus
é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os
homens.” Na cruz Deus de fato é
―louco, de acordo com nossos parâmetros humanos. É tolo quem abre mão de seus
direitos, quem entrega sua honra, e tudo isso nem mesmo em favor de pessoas
justas e boas, mas de culpados e maculados. Contudo, o Senhor e Rei do universo
o fez na cruz de maneira extrema em favor de inimigos e rebeldes. Que ―tolice‖
de Deus! Na cruz Deus de fato é tão ―fraco‖ quanto se pode imaginar.
Completamente impotente e indefeso, ele permite que façam de tudo consigo.
Privado das roupas, pregado nas mãos e nos pés, escarnecido, sedento,
moribundo, como está ―fraco‖ aqui o Deus onipotente! Mas a palavra dessa cruz
foi capaz de realizar até hoje o que nenhuma sabedoria de todos os sábios do
mundo conseguiu e o que nem sequer a onipotência arrasadora de Deus teria
conseguido: convencer pessoas de seu pecado e sua perdição, vencer pecadores
obstinados de modo profundo, levar à bendita adoração os mais argutos negadores
de Deus, transformar pessoas legitimamente malditas em filhos amados de Deus.
Em verdade, “a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza
de Deus é mais forte do que os homens”.
Nessas frases Paulo não falou
do ―amor‖ de Deus. Parece que tinha um certo receio dessa palavra, porque podia
ser mal-compreendida e distorcida com tanta facilidade que praticamente se
tornava uma palavra perigosa. Como na epístola aos Romanos, também na presente
carta ele apenas cita o amor mais tarde (1Co 8.1; 13). Mas aqui o amor está
sendo proclamado em sua substância, com toda a sua verdade e glória. Por que o
Messias morre na estaca? Por que Deus é tão ―fraco‖ e tão ―tolo‖? Por causa de
um amor insondável e incompreensível por um mundo perdido que o odeia e
despreza. Por outro lado, é somente na estaca do Cristo que se pode reconhecer
o que é verdadeiramente ―amor‖, o amor com a máxima e sagrada seriedade,
separada por universos de distância de toda a bondade, cordialidade e sentimentalidade
que nós confundimos com amor. O ―amor‖ de Deus não significa que Deus faz pouco
caso de nosso pecado. O amor de Deus considera nosso pecado com seriedade tão
fatal que não lhe resta outra saída para nos salvar do que assumi-lo sobre si
mesmo com todo seu ônus e condenação, tornando-se na cruz tão ―fraco e tão
―louco.
Paulo há de nos mostrar nos
trechos subseqüentes que conseqüências a ―palavra da cruz‖ precisa ter para a
vida da igreja e para o serviço dos pregadores. Afinal, a ―palavra da cruz‖ não
é uma teoria que possa ser proclamada objetivamente em si mesma como ―doutrina
pura‖. A própria igreja e seus mensageiros precisam ter a coragem de viver em
contraposição resoluta ao ser do mundo, na ―fraqueza e ―loucura que eles
reconheceram no próprio Deus na cruz do Cristo. A cruz precisa cunhar a
natureza da igreja. A igreja será vitoriosa unicamente no risco da fraqueza e
vida sem defesa, do amor sofredor por um mundo perdido que responde a esse amor
com escárnio, rejeição e ódio. E toda a proclamação precisa permanecer na ―loucura
da mensagem que o próprio Deus escolheu para único caminho para a salvação das
pessoas. Sempre há o perigo de que, apesar de tudo, a igreja volte a tentar
evangelizar com sabedoria, oratória ou quaisquer outros métodos atraentes e
imponentes. Ela poderá ser capaz de atrair e entusiasmar grandes multidões de
pessoas, mas apenas conseguirá salvar de fato a poucos. Autoridade para
evangelizar possuem somente os mensageiros da igreja que arriscam realmente
tudo com a fraqueza e loucura de Deus.
Finalmente ainda daremos
atenção ao fato de que na presente carta temos o paralelo ―grego às exposições
de cunho ―israelita da carta aos Romanos. Na epístola aos Romanos é a ―justiça
que está em jogo. Com os coríntios Paulo fala sobre a sabedoria. Contudo, em
ambos os campos tão distintos a causa é a mesma. O israelita busca a justiça que
vale perante Deus, acreditando que a alcançará em seu próprio agir pelo
cumprimento da lei. O ―grego‖ busca a ―sabedoria‖ que abrange a Deus com o
conhecimento, esperando encontrá-la em sua própria sabedoria. Porém ambos se
enganam radicalmente. Ambos desconhecem a verdadeira condição do ser humano
perante Deus, sua perdição total. Ambos carecem do ―poder de Deus para a
salvação‖ (Rm 1.16 e 1Co 1.18). Para ambos esse poder redentor de Deus apenas
pode ser apreendido na ―fé‖. O ―judeu‖ precisa crer na ―justiça alheia de
Cristo‖ para que de fato se torne justo perante Deus. O ―grego‖ precisa crer na
―loucura da proclamação‖ para que alcance o verdadeiro conhecimento de Deus. No
mundo moderno, porém, o ―judeu‖ e o ―grego‖ atuam simultaneamente no coração humano.
Por isso necessitamos tanto da carta aos Romanos quanto da aos Coríntios, e
somos imensamente gratos a Deus por nos ter presenteado com ambas como
fundamento para nossa fé e nossa proclamação.
26 Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não
(foram chamados) muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem
muitos de nobre nascimento;
27 pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do
mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para
envergonhar as fortes;
28 e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as
desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são;
29 a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus.
30 Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos
tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção,
31 para que, como está escrito: Aquele que se gloria,
glorie-se no Senhor.
26 O que Paulo expôs aos coríntios como um princípio pode
ser visto refletido na configuração peculiar apresentada por sua igreja. “Pois
estais vendo vossa vocação” [tradução do autor]. A igreja não se formou por
resoluções pessoais, mas foi ―chamada à existência. Ela é formada por pessoas
―chamadas para ser santas (v. 2). Contudo, que aspecto curioso ela possui: “Não
muitos sábios, não muitos fortes, não muitos de origem nobre” [tradução do
autor] podiam ser encontrados nela.
Essa composição da igreja não
corresponde a desejos e interesses humanos. Quem não preferiria pertencer a uma
igreja magnífica e imponente, na qual se pode apontar para uma série de pessoas
famosas?
27,28 O ―chamado de Deus, porém, realizou uma ―seleção muito
diferente e estranha. O Deus, cuja loucura e fraqueza são mais fortes do que as
pessoas, escolheu para si, em consonância com seu modo de ser, “as coisas
loucas do mundo, as coisas fracas do mundo, as coisas não-nobres do mundo e as
desprezadas”, tudo aquilo que Paulo sintetiza na expressão “as que não
são”. E ao fazê-lo Deus tem um objetivo bem claro e determinado. Desse modo
visa “envergonhar” os sábios e “aniquilar” as coisas que são.
29 Entretanto, por que Deus quer isso? Será que dessa
maneira não está sendo totalmente injusto com os sábios, fortes e nobres? Quem
destes receber seus dons e forças com gratidão da mão de Deus com certeza não
será ―envergonhado por Deus. Porém Paulo na verdade está pensando nos “sábios
segundo a carne” e nos fortes e nobres do “mundo”. “Carne”,
no entanto, é o ser humano segundo sua natureza separada de Deus, autocrático e
egoísta. É isso que marca e determina o que Paulo chama “o mundo”. A “carne”,
porém, não quer ―receber‖ e ―agradecer‖, mas deseja ser alguma coisa e
―gloriar-se. O pecado essencial do ser humano caído é que ele não mais ―honra a
Deus como Deus, nem lhe dá graças‖ (Rm 1.21), mas que diante de Deus tenta ser
grande em si mesmo e gloriar-se. Deus não pode nem quer tolerar isso. É contra
isso que realiza o juízo. Deus o executa pelo fato de que, ao emitir seu
―chamado, ele passa de largo pelos sábios, fortes e nobres, ―envergonhando-os e
―aniquilando-os desse modo, “a fim de que não se glorie qualquer carne
perante Deus” [tradução do autor]. Se fossem escolhidos por Deus,
atribuiriam essa escolha a seu próprio mérito e valor, acabando confirmados no “gloriar-se
perante Deus”. Porém tudo ―o que não é pode tão somente ver no chamado de
Deus sua graça soberana e espontânea, admirando-a com gratidão. Isso, porém, é
fomentado pela ―loucura da proclamação, que é rejeitada com desprezo pelos
sábios, fortes e nobres e que é vista com indignação pelos que em si mesmos são
―devotos.
No presente trecho ouvimos três
vezes consecutivamente: “Deus escolheu.” Deparamo-nos com o mistério da
escolha. É um mistério, não uma teoria racional, contra a qual poderíamos
lançar outras passagens da Bíblia. É impossível não reconhecer a realidade.
Deus chamou dentre toda a população da cidade portuária esse pequeno grupo de
pessoas em geral insignificantes e passou de largo em muitas outras. Será que
Deus não tem o direito de agir assim? Será que Deus tem ―obrigação com alguma
pessoa, de presenteá-la com sua graça, se ela realmente ainda for ―graça?
Porventura um rebelde merecedor da pena de morte tem algum direito de ser
agraciado por seu rei? Quem se descobre escolhido e salvo unicamente consegue
agradecer com admiração e adoração. E quem se considera deixado de lado pela
escolha de Deus pode ficar assustado e buscar a graça de Deus com muito maior
ardor. Com certeza a encontrará em Cristo e, então, se conscientizará de sua
escolha com admiração e gratidão.
30 As pessoas da igreja em Corinto, porém, ouviram o
chamado de Deus que os escolheu. Seguiram-lhe quando passaram a crer no Messias
crucificado e se deixaram salvar da perdição. Agora se afirma sobre elas: “A
partir de Deus estais em Cristo Jesus”[tradução do autor]. Eles, os ―que
não são, agora ―são algo, mas obviamente não em si mesmos, apenas ―em Cristo
Jesus. ―Estar em Cristo Jesus é a única existência verdadeira que os ―nadas
podem ter. Eles a têm “a partir de Deus”, do Deus maravilhoso, que
―chama à existência as coisas que não existem‖ (Rm 4.17), e que criou do nada
todo o imenso mundo. Neles aconteceu a nova criação (2Co 5.17). Nessa cidade
portuária rica, próspera e cheia de vícios eles, os tolos, os fracos, os
não-nobres, os desprezados, os ―nadas são agora a igreja do Deus vivo, os
herdeiros da glória eterna. Em si mesmos não são nada e não têm nada a exibir.
Porém estão “em Cristo Jesus”. Ele é seu verdadeiro espaço de vida, seu
elemento vital, e ele mesmo é, a partir de Deus, a “sabedoria para nós”,
sim, também “a justiça e santificação e redenção”.
Logo são loucos, não-nobres,
desprezados de fato apenas quando vistos na perspectiva do mundo. Em Jesus e a
partir de Deus, porém, são verdadeiramente sábios, fortes, nobres e
valorizados. Não são assim somente numa avaliação amistosa que recebem de Deus,
mas numa realidade que já se mostra agora em sua vida. É uma circunstância
maravilhosa, repetidamente verificável, que em Jesus as pessoas humildes, que
no mundo não são nada importantes, possuem uma admirável “sabedoria” e
em seu conhecimento de Deus superam os maiores pensadores da humanidade.
Contudo, essa “sabedoria”,
um conhecimento veraz do Deus vivo, não é coisa intelectual, mas abrange e
determina o ser humano todo. Por essa razão Paulo acrescenta de imediato “justiça”
e “santificação” a título de explicação para a “sabedoria”. O
Senhor crucificado, que carregou nossa culpa, nos concede a justiça, sim, ainda
mais, ele mesmo é nossa justiça perante Deus. Por isso possuímos de forma tão
inatacável e segura a justiça, esse fundamento necessário sempre que estamos
perante Deus, oramos a ele, contamos com Deus porque não a temos em nós mesmos mas no
próprio Jesus. Jesus, no entanto, também é nossa “santificação” ou, como
também podemos traduzir, nossa santidade‖. Ouvimo-lo já no v. 2: Somos
santificados em Cristo Jesus. Também nossa santificação e seu resultado, a
santidade, não são realização nossa. Se assim fosse, como seria precária!
Agora, porém, estamos incessantemente na santificação, desde que estejamos
incessantemente em Cristo Jesus. Por isso o v. 30 é uma importante base para
uma doutrina realmente evangélica‖ da santificação. Nele, como em Rm 6, ela não
representa uma nova lei, mas a própria pessoa de Jesus e nossa ligação com ele,
sobre as quais se alicerça a possibilidade e realidade de uma nova vida.
Contudo Jesus também é nossa “redenção”.
Jesus esmagou a cabeça da serpente e anulou o poder da morte. O triunfo dele é
nosso, porque é quando estamos nele. Já agora Jesus é manifesto de múltiplas
maneiras como nossa redenção. Quanta redenção, quanta liberdade e quanta
vitória encontram-se na vida de cada cristão. Obviamente também ainda somos
pessoas que aguardam (v. 7). Contudo a nova revelação de nosso Senhor Jesus
Cristo (v. 7) mostrará como realidade visível em nós e em tudo que estaremos
totalmente justos, totalmente santos, totalmente redimidos de toda perdição
como irrepreensíveis (v. 8) diante dele.
31 Quem compreendeu essa verdade não pode silenciar,
tem de cantar e anunciá-lo, tem de ser uma pessoa que glorifica. Não existe
verdadeira vida de fé sem glorificar. Não podemos permanecer calados sobre o
que Deus nos outorgou e sobre seu terno milagre, não podemos falar disso com
requintada discrição. Essas infinitas glórias impelem a glorificar. Contudo esse
louvor é algo completamente diferente do que o gloriar-se‖ da carne. Aqui se
cumpriu a palavra que Deus disse e escreveu no passado por meio de Jeremias (Jr
9.24): “Aquele que se gloria, glorie-se do Senhor.” Agora unicamente
Deus é grande! Agora foi restabelecida a condição certa, inicial, em que Deus
está no centro, o nome de Deus ressoa, Deus é glorificado como Deus e
agradecemos a ele, em que Deus já começa a se tornar tudo em todos‖ (1Co
15.28). Isso, porém, é realização unicamente das coisas loucas de Deus‖ e das
coisas fracas de Deus‖ pela palavra da cruz.
C.B.Esperança/ Rev Gedeon Martins