58 Na seqüência Paulo encerra esse magnífico capítulo.
Esse final é surpreendente e, não obstante, ―paulino‖ e genuinamente bíblico.
Não é na mera gratidão em si que Paulo prende a igreja. Instrui-a não para
ilustrar repetidamente o grandioso futuro. Sua conseqüência, seu “por isso”,
é completamente diferente. Ele a remete à atualidade justamente a partir do
incrível futuro, enviando-a no presente para a luta, o sofrimento e o trabalho.
“Por isso, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis, sempre transbordantes
na obra do Senhor, sabendo que nosso trabalho (de fato) não é vão no
Senhor” [tradução do autor].
Paulo tem grandes preocupações,
infelizmente justificadas, em relação aos coríntios. Agora, porém, com vistas
ao futuro que com sua glória há de aperfeiçoar a tudo, sua palavra a eles se
torna calorosa. Chama-os “meus amados irmãos”. Vê-os no alvo, junto
consigo, como a grande irmandade em torno do primogênito irmão Cristo. Tudo o
que ameaça e deforma será passado. Assim ele abraça a todos eles em Corinto com
renovado amor.
Entretanto o amor não é cego.
Paulo vê que justamente esses ativos coríntios são ―volúveis‖ demais. Aquilo
que Paulo mais tarde escreve aos efésios vale também para os coríntios. Não
mais devem ser ―meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por
todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem
ao erro‖ (Ef 4.14). Será que não se tornarão finalmente ―firmes, inabaláveis‖?
Paulo pede-lhes isso. Essa posição firme e inabalável está enraizada justamente
também na grande esperança. De forma análoga Paulo diz aos colossenses
ameaçados por uma heresia: ―Se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes,
não vos deixando afastar da esperança do evangelho‖ (Cl 1.23). Igualmente a
carta aos Hebreus exorta uma igreja ameaçada e vacilante: ―Guardemos firme a
confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel‖ (Hb
10.23). A partir do grande alvo determina-se e configura-se tudo. Se não se
deixarem ―demover‖ da mensagem neste ponto, todo o resto também ficará bem.
Cumpre à igreja ficar ―firme, inabalável‖ não apenas diante das concepções falsas
em seu próprio meio. Ela precisa ficar igualmente ―firme, inabalável‖ em todas
as lutas e sofrimentos que mais cedo ou mais tarde hão de sobrevir-lhe tanto
quanto às demais igrejas. Ainda que os coríntios estejam expostos a perigos a
toda hora e ainda que tenham de morrer dia após dia (v. 30s), eles serão
capazes disso somente se ―guardarem firmes, até ao fim, a ousadia e a exultação
da esperança‖ (Hb 3.6).
Essa constância e
imutabilidade, no entanto, não tem nada a ver com enrijecimento. Paulo ao mesmo
tempo deseja à igreja que seja “sempre transbordante na obra do Senhor”.
Nossa palavra ―transbordar‖ representa uma reprodução apropriada do termo grego
perisseuein, pelo fato de que traz as duas conotações do conceito grego:
a abundância da riqueza e o crescimento nela. Quando uma vasilha se enche de
modo constantemente crescente, ela por fim transborda. É assim que Paulo deseja
ver a igreja: “transbordante na obra do Senhor”. A respeito de Timóteo
ele dirá em 1Co 16.10 que está atuando na obra do Senhor como também ele, o
próprio Paulo. Contudo para Paulo está completamente afastada a idéia de que
somente eles, recursos humanos ―de tempo integral‖ com títulos eclesiásticos,
estejam nessa obra, enquanto a igreja seria apenas o objeto passivo de seu
serviço. É verdade que ele não ignora a tarefa insubstituível dos que foram
chamados por Deus para fundar igrejas: ―Porque de Deus somos cooperadores;
lavoura de Deus, edifício de Deus sois vós‖ (1Co 3.9). Mas se, portanto, a
igreja como ―lavoura de Deus e edifício de Deus‖ também pode ser objeto do
serviço apostólico, ela ao mesmo tempo não deixa de ser integralmente sujeito
do trabalho para Deus e participante vivo da ―obra do Senhor‖. Não deve prestar
apenas auxílio ocasional às pessoas dirigentes, mas participar de forma
abundante e sempre crescente na obra do Senhor. Novamente é preciso que
entendamos o genitivo como de objeto e de sujeito. A ―obra do Senhor‖ é aquilo
que nós fazemos para o Senhor e lhe oferecemos como engajamento e trabalho. No
fundo, porém, ela é a atuação do próprio Senhor, no qual ele envolve a nós e
sua igreja. É o trabalho contínuo do amor salvador de Jesus, que nos toma como
instrumentos e que chega aos outros por meio de nós. Por isso Paulo também não
precisa dizer em detalhe aos coríntios o que agora lhes cabe fazer ―na obra do
Senhor‖ como ―colaboradores de Deus‖. Como membros vivos do corpo de Cristo
eles reconhecerão isso pessoalmente em várias outras ocasiões. E as pessoas com
o dom profético em seu meio os ajudarão nisso. Diante do magnífico futuro a
igreja não tentará apenas realizar penosamente uma ou outra coisa, mas
―transbordará‖ no incansável engajamento de corações ardentes pela grande causa
de Deus em Corinto, na Grécia, em todo o mundo.
Obviamente isso não é mero prazer. Para o próprio Jesus a
―obra do Senhor‖ significou suportar os mais pesados fardos, significou suor de
sangue e intenso trabalho de cruz. Em consonância, também a nossa participação
em sua obra demanda empenho total e trabalho duro. Não é uma bela atividade
secundária para enriquecimento de nossa própria vida. É preciso kopos, ou seja,
esforço, desgaste, laboriosidade. A isso se agrega também a tribulação que o
profeta já conhecia (Is 49.4) e que tampouco era desconhecida do próprio Paulo
(Fp 2.16): será que todo o nosso empenho é em vão? Não experimentamos decepção
após decepção? Não, os coríntios podem “saber”, precisamente a partir da
ressurreição, que seu trabalho (de fato) não é vão no Senhor”.
Está chegando a grande colheita que recompensa todo o trabalho. Porque seu
engajamento não visa sucessos temporais, transitórios, como acontece em todos
os trabalhos na terra. Pelo fato de que a ressurreição é real, o esforço deles
pode obter resultados não-transitórios, eternos. Nesse mais profundo sentido
ele ―não é vão no Senhor”.
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